06 maio 2006

Manhã Deprimente

Dia desses dei plantão na entrada do hospital da Restauração. Na pauta algumas imagens e, se possível, depoimentos de algumas pessoas sobre o atendimento que estavam recebendo na maior emergência do estado.

Não demorou muito para percebermos que a situação é realmente crítica. Do lado de fora vemos o corredor da emergência lotado de pacientes, alguns privilegiados deitados em macas e o restante recebendo atendimento sentados mesmo.

Da porta da emergência, uma mulher percebe se tratar de uma equipe de reportagem e logo me faz sinal. Queria que eu entrasse para mostrar um senhor nu deitado numa maca esperando atendimento. Expliquei pra ela que não tinha autorização para entrar e chamei-a pra conversar. Ela confirmou e deu detalhes do caos que ta na cara de todo mundo. O hospital não suporta o grande número de pacientes que recebe todos dos dias. São ambulâncias que chegam a todo momento de várias cidades do interior e de outros hospitais da capital, além das muitas pessoas que procuram nessa emergência o atendimento que poderia ser oferecido em policlínicas e hospitais públicos menores.

Enquanto o cinegrafista faz algumas imagens fico conversando com algumas pessoas que esperam na recepção notícias de seus familiares. Duas mulheres me contam seus dramas. Uma com a mãe internada há vários dias e a outra com o marido que havia sofrido acidente de moto no dia anterior. Elas esperam que as assistentes sociais distribuam as fichas para a visita. Enquanto isso, relatam o descaso dos funcionários e até situações de suborno para conseguir entrar na emergência fora do horário de visita. Mas elas se negam a gravar entrevista temendo represália por parte dos funcionários do hospital.

O fato é que nossa presença mudou um pouco a rotina no local. Os maqueiros e assistentes sociais pareciam trabalhar com mais empenho que o de costume. Até o diretor aparecia de vez em quando na recepção para tomar pé da situação. Bom, não podemos provar isso mas uma das pessoas que conversei disse que os funcionários estavam incomodados com a nossa câmera.

Mesmo não sendo bem recebidos, continuamos de plantão flagrando tudo. Teve um momento que não tinha mais macas para receber os pacientes e os maqueiros, prontamente, resolveram carregar alguns pacientes nos braços. Também apareceu um homem que me procurou para denunciar o que ele chamou de “a máfia das funerárias”. Queria me levar até o necrotério mas confesso que não levei o cara muito a sério.

Algumas horas depois encontro uma das mulheres que agora saia da visita. Ela me contou que sua mãe havia sido transferida para outro setor. Estava agora com a companhia dos filhos e, como era de se esperar, bem preocupada com a situação da mãe. Tanto que nem conversou muito. Logo depois encontro a segunda mulher descendo a rampa que dá acesso a emergência. Perguntei como estava seu marido e ela respondeu: Paraplégico. Depois disso ela começou a chorar e me perguntou: E a agora? Claro que não soube o que falar e ela continuou: Não sei o que fazer. Ele tem 27 anos. Como vou fazer pra sustentar a nossa filha? Não tenho dinheiro nem pra pagar a passagem de ônibus. O que eu poderia ter dito? Deu logo um nó na garganta. Ela ainda me contou que ele precisava de uma cirurgia e as pessoas do hospital tinham dito pra ela dar entrada na aposentadoria dele. Fiquei novamente sem saber o que dizer. Na verdade nem lembro o que falei pra ela. Lembro agora que ela seguiu descendo a rampa indo não sei pra onde.

Depois disso fizemos mais algumas imagens e seguimos para a próxima pauta. Pense numa manhã deprimente.

3 comentários:

Anônimo disse...

Pois é, Marcinho, vejo isso que você chamou de "manhã deprimente", quase todos os dias. É muito triste mesmo.
Beijos,

Anônimo disse...

Prezado

Esse é o dia-a-dia de um repórter. Em 5 anos de trabalho de rua aprendi a me envolver o mínimo possível com essas pautas "deprimentes" pois só assim faria o meu trabalho a contento. Cest la vie. Minha opção é mergulhar de cabeça nas pautas edificantes, alegres e, acredite, mesmo nos plantões do HR encontrei histórias assim. O rapaz que se recuperou totalmente depois de ter 65% do corpo queimado, graças ao empenho da Unidade de Queimados que fez no cara um transplante de pele de rã (!); a mãe, vinda do interior, que encontrou na UTI infantil a cura para a pneumonia da filha; minha colega jornalista que levou uma pedrada de um doido na rua e teve a cabeça costurada nesta mesma emergência do HR numa cirurgia plástica exemplar. É isso meu caro. Histórias tristes e ruins existem em todo o canto. Cabe a nós apenas contá-las da melhor forma possível.

Anônimo disse...

... pois é Edilson! Não tinha tido essa experiência ainda como jornalista. Talvez por isso tenha sido tão marcante. Infelizmente nesse dia não tive boas histórias pra contar.. confesso que a minha pauta, digamos, não pedia isso mesmo. Mas de maneira alguma me influenciei...contei apenas o que vi e ouvi. Quem sabe numa próxima oportunidade eu tenha mais sorte.